sábado, 7 de janeiro de 2012

a língua toma o poder - parte III


outro registro daquele tempo: ... mudanças corporais evidentes: abrem-se
como buracos e sulcos os tornozelos, os joelhos, os cotovelos, os pulsos
e especialmente as mãos onde tudo está mudado. minhas mãos têm hoje,
há um ano e meio de trabalho, a qualidade das mãos de uma criança
pequena, são totalmente flexíveis, todas as articulações estão abertas,
as polpas dos dedos almofadadas, a sensibilidade é muito maior. cada vez
que uma articulação abre, sente-se como um desgarramento, quase sempre
dói. uma articulação não se abre de uma vez só, parece mais que diferentes
camadas vão se abrindo aos poucos. em geral, antes de abrir se produz na
articulação um movimento descontrolado, rápido e forte, mesmo que não se
esteja trabalhando sobre essa articulação. minha língua está mais longa e mais
grossa. a mobilidade de todo meu corpo é muito maior... "as mudanças
corporais eram o reflexo de outra mudança profunda que se ia operando dentro
de mim. a maneira de pensar, a capacidade de auto-observação e observação
dos outros e, especialmente, a leveza da qual minha alma começava a desfrutar.
atenção, observação e movimento, fazer e não fazer, tudo ao mesmo tempo, eis
a tarefa. no dia 11 de julho de 1975 escrevi: "... me dei conta de que os estados
de torpor que às vezes se sentem são a mesma coisa que sentir fechada uma parte
do corpo. o torpor é para a cabeça a mesma coisa que a impossibilidade de
movimento é para o corpo, são duas manifestações de algo que não flui. na medida
em que somos capazes de perceber, isto significa que alguma coisa já foi removida
e consequentemente começamos a sentir aquilo que está obstruindo. a partir daí, 
geralmente se produz a abertura, ficamos mais lúcidos, o movimento acontece..."

texto: cristina suarez
música: era - kilimandjaro
                        after thousand words

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