Costumo dizer que, depois de passar alguns anos correndo atrás da felicidade, hoje prefiro andar sem pressa em busca da leveza. Não a leveza que nos aliena ou nos condena a superfície, mas aquela que nos inspira a manter uma espécie de elegância existencial mesmo diante das adversidades – e adversidades é coisa que nunca falta pelos caminhos. Todos nós temos problemas, todos nós convivemos com frustrações e perdas. Mas nenhuma carga de insatisfação pessoal justifica nos transformarmos em seres de espírito obeso, criaturas permanentemente estressadas e insatisfeitas que parecem carregar nas costas(e na alma) o peso do universo. Não há nada mais penoso do que conviver com pessoas desagradáveis – seja em casa no trabalho, no prédio onde moramos ou na fila do cinema. E a recíproca, claro, é verdadeira; poder compartilhar um espaço, uma atividade ou uma vida com alguém leve é um dos grandes prazeres da existência.
Quando
penso nessa leveza que acrescenta qualidade ao cotidiano, penso, antes de mais
nada, em bom humor e gentileza. Pessoas indelicadas, incapazes de dizer
“obrigado” ou “por favor”, aquele colega da empresa que nunca dá um “bom dia”,
o chefe que maltrata os funcionários, o motorista que sai dando fechadas no
trânsito, a vendedora que não cumprimenta os clientes; quem é que gosta de
dividir seu cotidiano com pessoas assim? E aquele médico que não dá um sorriso
sequer, o marido que não abre a cara por nada deste mundo, a amiga que reclama de tudo e de todos, a
colega de trabalho que parece estar brigada com todos e com tudo; alguém merece
conviver com criaturas assim?
Quando
se abre mão da gentileza, a qualidade de vida cai drasticamente. Não há como
manter bons relacionamentos – sejam eles na esfera profissional, social ou
familiar – quando se é descortês ou grosseiro. E, quando nossos relacionamentos
deixam a desejar, nossa qualidade de vida é expressivamente reduzida. Com o
humor, ocorre o mesmo. Pessoas bem-humoradas ou com senso de humor convivem
melhor com o mundo e com elas mesmas. Não criam dramas desnecessários e, com
isso, reduzem o impacto das circunstâncias desfavoráveis que inevitavelmente
fazem parte do nosso dia a dia.
Antigamente,
valorizava-se muito a simpatia. Hoje, no mundo das aparências e do consumismo,
valem o corpo malhado, o carro do ano, o rosto sem rugas, a roupa de grife. Aos
poucos, vamos nos esquecendo de sermos agradáveis – é como se a simpatia fosse
uma virtude bobinha do passado, uma prima pobre esquecida diante de tantos
modismos. Apressados, estressados, esgotados pelo esforço permanente do “ter
que fazer”, “ter que correr”, “ter que se dar bem” e “ter que competir”, vamos
aumentando, sem perceber, o peso que carregamos na alma. É como se a cada dia
acrescentássemos alguns quilos à nossa bagagem e o percurso vai ficando cada vez mais arrastado e mais difícil.
Para
quem não teve a sorte de nascer leve, leveza é algo que se aprende, garante um
casal de psicólogos portugueses que entrevistei para o meu livro sobre esse
tema. Helena Marujo e Luís Miguel Neto dão treinamentos em empresas, escolas e
hospitais para ensinar as pessoas a serem mais bem-humoradas, mais agradáveis,
mais otimistas. Fácil não é, eles admitem. Mas é possível. São escolhas diárias
que fazemos, pequenas e grandes escolhas como vou tratar este colega? Vou respeitar
ou não meus funcionários? Vou passar duas horas reclamando da vida para os meus
filhos? Esta minha cara fechada é algo que alguém merece ter por perto? Até
quando vou impor meu azedume a quem me cerca? Quando foi a última vez que
tentei ser uma pessoa melhor, mais generosa e delicada, menos amarga ou
agressiva? São perguntas que podemos, ou devemos, nos fazer cotidianamente –
pequenos exercícios em prol da leveza e da tão falada qualidade de vida.
Mestres
na arte de cortar carboidratos e contar calorias, talvez seja hora de
colocarmos a alma na balança, aparar as arestas e reduzir as gorduras do
espírito. “Travel light”, costumam recomendar os guias de viagem: “viaje leve”,
ou seja, quanto menos bagagem, maior a chance de desfrutarmos o que aparece no caminho.
Quando a alma pesa pouco, viaja, viaja-se ou vive-se melhor. E, claro, quem convive conosco agradece.
Leila
Ferreira - Escritora e Jornalista
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